REVISTA ISTO É N° Edição: 2246 | 23.Nov.12 - 21:00 | Atualizado em 25.Nov.12 - 14:42
Além
dos vencimentos de até R$ 40 mil, médicos do Senado recebem verba do
Congresso para atender servidores em suas clínicas particulares
Josie Jeronimo
CARO E POUCO EFICIENTE
O hospital do Senado, que ocupa uma área de 2.500 metros quadrados, não
atende nem 5 mil pessoas por mês e custa ao contribuinte R$ 5 milhões por ano
Há
três anos, em meio ao escândalo dos atos secretos, o presidente do
Senado, José Sarney, contratou uma auditoria da Fundação Getulio Vargas
(FGV) para melhorar a gestão. Em seu relatório, os auditores propuseram
várias medidas saneadoras. Entre elas, a extinção do Departamento Médico
do Senado, considerado pouco eficiente ante a estrutura semelhante à de
um hospital de pequeno porte. O relatório da FGV foi para a gaveta e,
em vez de ser extinto, o serviço cresceu. Este ano, mais dez médicos
passaram a integrar o corpo de 103 funcionários concursados. Esses
profissionais, que trabalham quatro horas por dia, em plantões montados
de acordo com o tempo livre de cada um, embolsam mensalmente uma média
de R$ 20,9 mil. Em alguns casos, o salário pode chegar a R$ 40 mil,
somado a gratificações pouco justificáveis. Não bastasse toda a
mordomia, ISTOÉ descobriu que vários desses médicos, além dos
vencimentos oficiais, também recebem como terceirizados do próprio
Senado.
A terceirização funciona da seguinte maneira: uma
insuspeita entidade de classe denominada Associação dos Médicos de
Hospitais Privados do Distrito Federal recebe do Senado e repassa os
valores para as clínicas onde trabalham os médicos do próprio Senado. Em
2011, a entidade fechou contrato com a Casa parlamentar no valor de R$
55 milhões para “intermediação no pagamento dos honorários relativos à
prestação de serviços complementares à saúde, aos beneficiários do plano
de assistência do Senado”. O contrato foi feito sem licitação.
A
Associação funciona numa sala de um centro hospitalar próximo das
clínicas onde os médicos trabalham após o expediente no Senado. Muitos
de seus clientes na rede privada são servidores que eles atendem no
Senado e encaminham para uma segunda consulta e determinado tratamento.
ISTOÉ visitou as clínicas e acompanhou o entra e sai de pacientes. Ao
menos dez dos 48 médicos em exercício no Senado têm centros de saúde
registrados no próprio nome. Desses, seis estão na lista dos
“conveniados” da Associação de Médicos Privados do Distrito Federal. Um
deles é Átila Cesetti, servidor do Senado e dono da clínica ProCardíaco.
O médico está na lista dos prestadores de serviço da Associação. Ele
cumpre sua enxuta carga horária no hospital do Senado e atende em sua
clínica da Asa Sul. Em outubro, além do salário de R$ 42 mil com
gratificações, Cesetti também embolsou os lucros da clínica.
LUCRO DOBRADO
A clínica ProCardíaco, que recebe como conveniada do Senado, tem como dono o
servidor Átila Cesetti. Médico do próprio Senado, Cesetti ganha salário de R$ 42 mil mensais
Os
valores que a Associação dos Médicos de Hospitais Privados paga a ele e
a outros colegas não são públicos, embora o dinheiro que abasteça sua
conta venha do Senado. Para receber os honorários, as clínicas
encaminham à entidade “cheques-consulta” que descrevem a especialidade e
o valor do atendimento, mas o Senado não tem acesso a esses valores e
só presta conta dos recursos globais que repassa à associação. Os
beneficiados na transação da subcontratação também permanecem ocultos.
No mesmo centro clínico da Asa Sul também funciona a empresa médica do
servidor César Luiz Gonzalez. Assim como Átila, Gonzalez recebeu R$ 42
mil em vencimentos do Senado, em outubro, e turbinou o salário com
honorários recebidos por meio do convênio de sua clínica, a Cardiocare,
com a Associação.
Duas unidades médicas dos funcionários operam
no Sudoeste, outro bairro nobre de Brasília. Uma delas pertence ao
médico Cantídio Lima Vieira. Ele tem participação em mais quatro
clínicas. Duas delas, a Policlínica Planalto e a Cordis são prestadoras
de serviço da mesma associação de médicos contratada pelo Senado. Em
outubro, o servidor-empresário recebeu R$ 20,9 mil de salário mais R$
4,8 mil em gratificações, fora a remuneração das clínicas. Há ainda
aqueles que mantêm contrato direto como prestadores de serviço da
associação, sem vínculo com empresa, como o médico Paulo Nery Teixeira
Rosa.
Uma característica comum aos integrantes do serviço médico
do Senado, chamados de “marajás” nos corredores da Casa, é a
antiguidade no serviço público. A maioria tem mais 15 anos de Casa, com
exceção de Gustavo Korst Fagundes, que entrou no concurso deste ano e
engorda seu contra-cheque de R$ 16,7 mil com a atividade médica
complementar da associação. ISTOÉ procurou o servidor no serviço de
atendimento da Casa e foi informado pelas atendentes do hospital do
Senado que o urologista dá consulta das 9h às 12h, diariamente. Fagundes
é sócio da clínica Serviço Brasiliense de Urologia. Em março de 2011, a
Casa assinou contrato no valor de R$ 80 mil com a clínica de Fagundes. O
valor também é pago por meio dos chamados cheques-consulta, emitidos de
acordo com a demanda de beneficiários do plano de saúde do Senado.
O BENEFICIÁRIO
O médico Cantídio Lima Vieira é sócio de
duas clínicas que prestam serviço ao Senado
Em
nota, o Senado confirma que “possui alguns servidores, na área médica
de especialização, que exercem atividade laboral em clínicas conveniadas
com o SIS”, sem sobreposição da jornada de trabalho. Diz ainda a nota
“que os profissionais de saúde do Serviço Médico do Senado estão
impedidos de atender pacientes, pelo SIS, em clínicas particulares”.
Quem
visita o Departamento Médico do Senado encontra um local sem filas.
Segundo a auditoria da FGV de 2009, a média de atendimentos não chega a
cinco mil por mês. Uma UPA, que possui metade do corpo de funcionários,
atende 25 mil pacientes no mesmo período. O hospital do Senado ocupa uma
área de 2.500 metros quadrados e sua estrutura custa ao contribuinte R$
5 milhões por ano. Pelo estudo, o grosso da demanda dos mais de 25 mil
beneficiários do plano de saúde da Casa acaba sendo suprido pela rede
hospitalar privada, paga com o fundo do Sistema Integrado de Saúde do
órgão legislativo. O maior sintoma da ineficiência do serviço médico é o
volume de gastos com reembolso de despesas dos parlamentares com
hospitais particulares. Os senadores não utilizam os serviços do
hospital da Casa e apresentam R$ 60 milhões em notas de ressarcimento
por ano. O orçamento para despesas médicas dos parlamentares,
servidores, aposentados e dependentes chega a R$ 105 milhões anuais.
Interesses pessoais e corporativos alterando leis, desrespeito ao teto previsto, disparidades entre o maior e o menor salário, discriminação entre cargos assemelhados e discrepâncias no pagamento de salários, subsídios e vantagens discriminam os servidores públicos, afrontam princípios republicanos, estimulam desarmonia, criam divergências, alimentam conflitos e promovem privilégios a uma oligarquia no serviço público.
Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF ao cassar uma liminar que impedia a publicação de forma individualizada das remunerações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário