Auxílio-moradia de conselheiros dos tribunais de contas chegam a mais de R$ 7 mil. Benefícios como 14º e 15º salários são pagos como ‘aquisição de obras técnicas’
POR CHICO DE GOIS
O GLOBO 21/07/2014 8:53
BRASÍLIA, SÃO LUÍS, FLORIANÓPOLIS, CUIABÁ E CURITIBA — Os salários ultrapassam R$ 26 mil. A eles, somam-se auxílio-alimentação que chega a R$ 1.000 por mês; auxílio-moradia que, em alguns casos, ultrapassa R$ 7 mil por mês; R$ 2.924 por abono de permanência, pago ao magistrado que, aposentado, continua trabalhando; e 14º e 15º salários camuflados sob a rubrica de “aquisição de obras técnicas”. É a folha dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos estados no país.
Em Mato Grosso, por exemplo, o auxílio-moradia é de R$ 7.235 — mais que o dobro do que têm direito os deputados federais, que podem receber até R$ 3 mil. Mesmo com as regalias, há diversos casos de conselheiros acusados de desvios de verba pública, como mostrou O GLOBO neste domingo. Além disso, os tribunais, que cobram a prestação de contas de vários entes governamentais, não são transparentes.
NA PRESIDÊNCIA DO TCE-MA DESDE 2005
Alguns conselheiros quase se perpetuam na presidência do órgão. O ex-deputado Edmar Serra Cutrim, pai do prefeito de São José do Ribamar, Gil Cutrim, e um dos maiores defensores do clã Sarney, preside o TCE do Maranhão desde 2005. O único biênio em que não estava à frente da entidade — por imposição regimental — foi entre 2009 e 2010. Mas ele ficou como vice, mantendo o poder de decisão.
A amizade dos conselheiros com a família Sarney é tanta que, em 2002, por meio de uma portaria, o prédio onde funciona o órgão passou a chamar-se “Governadora Roseana Sarney Murad”. Em 2009, a Justiça mandou retirar a homenagem.
Colega de Cutrim, Raimundo Nonato do Lago Neto é um dos conselheiros mais longevos do país. Está na função desde 1989. Formado em Medicina, presidiu a entidade por três biênios — menos, portanto, que Cutrim, que, apesar de ter menos tempo de casa, ao final deste biênio terá presidido a entidade por oito anos. Os conselheiros do Maranhão recebem auxílio-moradia de R$ 3.988, auxílio-refeição de R$ 800 por mês e abono de permanência de R$ 2.924.
Em Santa Catarina, cada conselheiro dispõe de R$ 49 por dia para almoçar. De acordo com pesquisa da Associação das Empresas de Refeição e Alimentação (Assert), o preço médio de uma refeição (prato principal, bebida, sobremesa e café) em Florianópolis, em 2014, varia entre R$ 36,41 (comercial) e R$ 61,24 (à la carte). Os conselheiros, porém, podem almoçar no próprio gabinete, uma vez que há serviço de garçons e um restaurante no prédio do tribunal.
Em Mato Grosso, o auxílio-moradia é de R$ 7.235 (mais que o dobro daquele dos deputados federais); em Santa Catarina, é de R$ 4.377. Os conselheiros mato-grossenses também recebem, na prática, 14º e 15º salários. A cada semestre, eles têm direito a um subsídio mensal para “aquisição de obras técnicas”. Ou, traduzindo, livros.
Mesmo não sendo parlamentares, os conselheiros do Mato Grosso têm também um benefício dado àqueles: verba indenizatória. Mas o cidadão pode procurar à vontade no site da entidade que não encontrará prestação de contas sobre os gastos realizados com esse dinheiro público — ao contrário da Câmara, onde é possível saber nome do estabelecimento, tipo de serviço, número da nota fiscal e valor. A lista dos carros à disposição do tribunal também é antiga — maio de 2013.
Os conselheiros do Paraná recebem mensalmente, além dos R$ 26.589 de salário, mais R$ 2.924 de abono permanência e outros R$ 5.317 de vantagens transitórias. Mensalmente, a soma de todos esses benefícios, em vários casos, ultrapassa R$ 35.000. Com o abate-teto constitucional, o salário líquido quase equipara-se ao bruto: R$ 22.800, no mínimo; em alguns casos, vai além dos R$ 25 mil. Os R$ 5.317 pagos a título de “vantagens transitórias” não têm nada de passageiro. Todos os conselheiros titulares recebem.
Ainda no TCE-PR, o conselheiro Fábio de Souza Camargo, que foi vereador e deputado estadual, teve a nomeação contestada na Justiça em novembro passado e foi afastado. Ele recorreu e conseguiu reverter a decisão. A Justiça lhe garantiu o recebimento dos atrasados; em maio deste ano, recebeu, de uma vez, R$ 112 mil líquidos. Ele é filho do desembargador Clayton Camargo, que presidia o tribunal quando o filho foi nomeado, mas que renunciou ao cargo depois do imbróglio. O Conselho Nacional de Justiça abriu uma investigação para saber se Clayton, de alguma forma, interferiu a favor do filho.
EM CASA, RECEBENDO SALÁRIO
Em 10 de junho deste ano, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, reconsiderou sua própria decisão de conceder uma liminar para Camargo se manter no cargo, e mandou afastá-lo novamente de suas funções, mas sem prejuízo dos recebimentos dos vencimentos. Ou seja: fica em casa, mas continua recebendo o salário.
Camargo foi eleito em junho do ano passado por 27 votos de seus colegas de Assembleia Legislativa. Logo após a posse, surgiram as contestações. Ele teria apresentado certidão criminal positiva, o que o impediria de assumir o cargo. O documento refere-se a um crime contra a honra, mas não há condenação no caso. Além disso, ele não teria tido o número mínimo de votos para elegê-lo. A Assembleia tem 54 deputados, e ele teria de ter 28 votos — metade mais um. Como ele mesmo não pode votar, e outro parlamentar se absteve, não somou os 28 votos.
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