- "Remuneração dos agentes públicos constitui informação de interesse coletivo ou geral."
Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF ao cassar uma liminar que impedia a publicação de forma individualizada das remunerações.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

COMO SE FORMAM OS SUPERSALÁRIOS


ZERO HORA 27 de dezembro de 2016 | N° 18725


MARCELO GONZATTO


REPORTAGEM ESPECIAL -
O ESTADO DESEMBOLSOU R$ 483 MILHÕES neste ano para pagar diversos tipos de auxílios a servidores de todos os poderes. Esses benefícios ajudam a explicar a formação de vencimentos que superam o teto constitucional


O Estado gastou cerca de R$ 483 milhões, em 2016, com o pagamento de diferentes tipos de auxílio destinados a categorias profissionais de todos os poderes – a exemplo de benefícios como auxílio-moradia ou auxílio-alimentação. Ao lado de outras formas de remuneração, como o pagamento retroativo de licenças-prêmio, os chamados “penduricalhos” turbinam os contracheques e ajudam a compor supersalários que extrapolam o teto constitucional.

Por meio de consultas ao Portal Transparência RS na internet e ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), ZH mapeou o pagamento de pelo menos R$ 294 milhões em auxílio-alimentação, R$ 91 milhões em auxílio-transporte ou condução e R$ 74 milhões em auxílio-moradia desde o começo do ano até 22 de dezembro. Benefícios envolvendo creche e funeral somaram outros R$ 23 milhões. O auxílio-babá representou R$ 508 mil.

Pagos a título de indenização, acabam driblando o limite imposto pelo teto constitucional – atualmente calculado em R$ 30,4 mil no Rio Grande do Sul – por não serem enquadrados legalmente como salário.

Magistrados, promotores e procuradores estão entre os principais beneficiários desses valores. A verba de alimentação para integrantes do Judiciário ou do Ministério Público, por exemplo, recebeu reajuste de 10,6% neste ano e chegou a R$ 884 por mês.

Uma análise da folha de pagamento de 1.210 juízes e desembargadores do Estado em outubro demonstra que o total de créditos superou o valor do teto em 92% dos casos. Isso engloba todo tipo de pagamento, incluindo indenizações e vantagens eventuais, e desconsidera qualquer desconto. Quando se debitam os descontos, 42% das remunerações ficaram acima do valor de referência do teto. Isso não significa necessariamente uma irregularidade, já que podem estar incluídas férias, indenizações e outros recursos não submetidos ao teto, mas reforça o debate sobre o excesso de pagamentos na forma de auxílio e rubricas semelhantes.

– As indenizações não podem ser consideradas salário, e só entram no contracheque porque não faria sentido arcar com duas folhas diferentes. O auxílio-moradia é pago em função de decisão judicial que determinou que deveria ser pago a todos os juízes do país, e o auxílio-alimentação é decisão do Conselho Nacional de Justiça. Mas existe uma ideia básica na magistratura de que seria mais adequado valorizar o tempo de serviço em vez desse tipo de benefício – observa o desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça.

LICENÇAS-PRÊMIO RETROATIVAS TURBINAM VALORES NO EXECUTIVO


A folha do Ministério Público indica, em outubro, valores além do teto para 23% dos 705 promotores e procuradores incluídos no levantamento. Não entram nessa conta as indenizações e outras remunerações não consideradas como parte do salário, mas podem estar presentes adicionais de férias e outros valores eventuais.

– Todos esses auxílios têm caráter indenizatório, como uma ajuda de custo quando alguém vai de uma promotoria a outra por uma promoção – diz a subprocuradora para assuntos administrativos do Ministério Público Estadual, Ana Petrucci.

No caso do Executivo, quando se analisam os 10 maiores vencimentos pagos em outubro, sete foram turbinados pelo pagamento de licenças-prêmio indenizadas em caráter retroativo. Ou seja, licenças não usufruídas foram convertidas em dinheiro. Veja, nos quadros ao lado, a composição dos salários nos diferentes poderes e o que explica as grandes somas recebidas por parte do funcionalismo.



Transparência ainda é limitada nos portais


Todos os poderes do Estado contam com páginas de transparência na internet nas quais é possível consultar a remuneração de seus servidores, mas ainda há obstáculos para analisar a massa de dados salariais, fazer comparações ou organizar os números.

O artigo 8º da Lei de Acesso à Informação determina a possibilidade de “gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas de texto, de modo a facilitar a análise das informações”. Somente as páginas do Executivo e do Ministério Público viabilizam baixar os dados em formato de planilha eletrônica.

O Judiciário possibilita copiar os dados como páginas de PDF (o que impede cálculos automáticos), e a Assembleia não permite qualquer forma de download – somente a consulta individual. Nesse caso, se alguém quiser verificar qual o salário mais alto, teria de buscar os nomes dos mais de mil funcionários um a um.

Os obstáculos à transparência não se resumem à internet: em contatos por telefone e via e-mail, a Assembleia também não se dispôs a informar os nomes de integrantes de gabinetes dos deputados (a fim de permitir uma pesquisa mais ampla sobre os salários na Casa) ou o quanto é gasto com o pagamento de auxílios.

– Tudo o que for colocado em páginas de transparência deve utilizar formatos abertos e que facilitem a análise e a comparação de dados, o que chamamos de “legível por máquina”. Infelizmente, isso ainda não é uma prática comum por falta de vontade política ou, no caso de municípios pequenos, por falta de recursos – observa o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino.

O superintendente-geral da Assembleia, Luiz Fernando Rodriguez Júnior, afirma que a Casa é a quarta colocada entre os parlamentos estaduais em um índice de transparência. Ele acrescenta que está em andamento projeto para facilitar o acesso e o download dos dados.

– Nos primeiros meses de 2017, deveremos disponibilizar os dados em formatos mais acessíveis – promete o superintendente.


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