ÉPOCA descobre que os salários reais do Judiciário ultrapassam – e
muito – o teto constitucional dos funcionários públicos. Há 32 tipos de
benesses, inventados para engordar os contracheques de suas excelências.
Não é ilegal. Alguns juízes e promotores se perguntam: é correto?
RAPHAEL GOMIDE COM LÍVIA CUNTO SALLES
REVISTA ÉPOCA 12/06/2015
(Ilustração: Daniel Graf e Alexandre Lucas)
Quando
o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anunciou a
promoção do juiz Geraldo Prado a desembargador, em 2006, fez-se um
silêncio embaraçoso no salão onde transcorria a sessão. Foi com desgosto
que muitos receberam a notícia da promoção por antiguidade – ou
“inevitabilidade”, como Prado define. Ele desagradava à maioria dos
demais juízes da corte, em virtude de suas decisões “excessivamente
liberais” nas Varas Criminais. No fim dos anos 1990, constrangera os
colegas ao liderar, ao lado de poucos, um movimento pelo fim do
nepotismo no Tribunal. O juiz Prado estava na vanguarda do que era
inexorável: a lenta mas firme assepsia nos maus hábitos do Judiciário
brasileiro. O nepotismo acabou banido, mas apenas em 2005, por decisão
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao tomar posse
como desembargador, o juiz Prado aprontou outra. Recusou-se a rodar num
carro oficial, símbolo de poder dos desembargadores. O presidente do
Tribunal tentou demovê-lo. Argumentou que a atitude “diminuiria a força
institucional da magistratura”. Não colou. Até se aposentar, em 2012, só
ele e um colega, entre 120 desembargadores, abdicaram do conforto. Para
o juiz Prado, “o carro oficial significa um status incompatível com a
República”. “Deve ser usado em prol do beneficiário do serviço e não do
servidor. O magistrado da Infância e Juventude deve ter uma viatura à
disposição para atender à demanda. Mas não tem sentido o conjunto da
magistratura ter carro oficial”, diz o desembargador aposentado e
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nos
últimos anos, atitudes como as do juiz Prado ajudaram na depuração dos
vícios e privilégios que persistiam há décadas no Judiciário. Resultaram
na criação dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público
(MP). Juízes e seus primos, os procuradores e promotores dos Ministérios
Públicos, tornaram-se mais transparentes e produtivos. Hoje, trabalham
com metas e planos estratégicos para diminuir a proverbial lentidão dos
nossos Tribunais. Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer rumo ao
Judiciário que o Brasil precisa. É preciso paciência. São muitos os
obstáculos.
Um deles, talvez o mais urgente a ser
enfrentado, envolve os altos salários dos juízes estaduais – e, também,
dos promotores dos Ministérios Públicos dos Estados. Desde 2003, quando o
Congresso estabeleceu o salário dos ministros do Supremo como teto
constitucional para os funcionários públicos, os Tribunais e MPs
estaduais passaram a criar toda sorte de expedientes para engordar o
contracheque. Hoje, o teto é de R$ 33.763. Os penduricalhos são muitos –
ao menos 32 tipos de auxílios, gratificações, indenizações, verbas,
ajudas de custo... – mas o objetivo é apenas um: ganhar mais do que
determina a Constituição. Nada disso é, por enquanto, ilegal. Mas não
são poucos os juízes e promotores que se questionam: é correto?
Nos
últimos oito meses, ÉPOCA apurou, junto aos 27 Tribunais de Justiça e
aos 27 MPs estaduais, os reais vencimentos – e todos os benefícios – de
magistrados e promotores, incluindo salários, vantagens pessoais e
auxílios (consulte os vencimentos pagos por Estado no gráfico abaixo).
Confirmou-se o que todos no Judiciário suspeitavam: o contracheque de
juízes e promotores ultrapassa, e muito, o teto constitucional de R$ 33
mil. A média de rendimentos de juízes e desembargadores nos Estados é de
R$ 41.802 mensais; a de promotores e procuradores de justiça, R$
40.853. Os valores próximos mostram a equivalência quase perfeita das
carreiras. Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média
ainda maior: quase R$ 60 mil (R$ 59.992). Os procuradores-gerais de
justiça, chefes dos MPs, recebem, também em média, R$ 53.971. Fura-se o
teto em 50 dos 54 órgãos pesquisados. Eles abrigam os funcionários
públicos mais bem pagos do Brasil.
ÉPOCA
obteve os dados nas páginas de transparência dos órgãos. Para calcular
as médias dos TJs e MPs estaduais, a reportagem avaliou os vencimentos
de ao menos 5% dos integrantes como amostra, respeitando a proporção de
membros da segunda instância, de modo a não gerar distorções. Durante a
pesquisa, encerrada em abril, usou-se o mês mais recente disponível.
ÉPOCA analisou 3.714 profissionais (2.602 magistrados e 1.112
promotores) dos 21.707 membros nos Estados. Segundo Cristiano Fernandes,
professor de engenharia elétrica da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro e especialista em estatística aplicada a ciências
sociais, a análise é “consistente” e “satisfatória”. O levantamento de
ÉPOCA não aborda a Justiça Federal nem o Ministério Público na esfera
federal. Neles, sabe-se que há menos penduricalhos.
Na
teoria, os salários – chamados de subsídios básicos – das duas
categorias variam de R$ 22 mil a R$ 30 mil. Os salários reais deles, no
entanto, avançam o teto pela soma de gratificações, remunerações
temporárias, verbas retroativas, vantagens, abonos de permanência e
benefícios concedidos pelos próprios órgãos e autorizados pela Lei
Orgânica da Magistratura, a Loman, de 1979 – o MP os recebe por
equivalência. Por sua natureza jurídica (ressarcir despesas geradas pelo
trabalho), as indenizações não estão sujeitas ao teto nem a Imposto de
Renda. Generalizadas, produzem a mágica de elevar os salários,
legalmente, acima do teto. Há salários reais que ultrapassam R$ 100 mil.
O maior é de R$ 126 mil.
Benefícios ou regalias?
Com
estabilidade, poder e prestígio social, juízes e promotores recebem
como executivos da iniciativa privada, mas gozam um pacote de benefícios
só possível na esfera pública. Usufruem dois meses de férias anuais –
mais um recesso de 14 a 30 dias –, não têm horário fixo, ganham auxílios
para moradia, alimentação, transporte, plano de saúde, dinheiro para
livros e computadores e ajuda até para pagar a escola particular dos
filhos. É uma longa série de benefícios, alguns que se enquadram
facilmente como regalias. Variam conforme o Estado. ÉPOCA descobriu 32
delas. Além do auxílio-moradia, o mais comum é o de alimentação. Chega a
R$ 3.047 mensais para promotores do Maranhão.
O
TJ do Rio de Janeiro é o que oferece mais benesses. Há auxílio-creche
de R$ 854 por filho até 6 anos e auxílio-educação de R$ 953 por filho
até 24 anos (na faculdade). Há 180 dias de licença-maternidade (padrão)
mais 90 de aleitamento. Há, ainda, de três a cinco salários mínimos por
adoção até o filho ter 24 anos. O TJ do Rio afirma que é unidade de
referência e está entre os quatro Tribunais mais eficientes do país,
tendo cumprido 100% da meta desde 2009, ao lado do TJ do Rio Grande do
Sul.
Os benefícios oferecidos com dinheiro público são
generosos e criativos. No TJ de Mato Grosso vigora um dos melhores
planos de saúde do mundo, com gastos ilimitados. Ressarce consultas
particulares e até passagens de avião para tratamento de magistrados e
dependentes em hospitais fora do Estado. Só a partir de dezembro os
juízes passaram a ter de apresentar recibos fiscais para obter
reembolso. Em Minas Gerais, os magistrados recebem mais 10% do salário
para custear a saúde (até R$ 3.047). Têm direito ainda a, como os
promotores, de R$ 13 mil a R$ 15.235 por ano para livros jurídicos e
materiais de informática. O TJ-MG afirmou que, embora haja previsão, o
auxílio não é pago. O MP paranaense banca até 50% de mestrados e
doutorados e 20% de cursos de graduação e línguas.
Os
promotores do Rio de Janeiro recebem mais R$ 1.100 para transporte. Isso
não impede que o órgão gaste R$ 100 mil mensais – R$ 545 por carro –,
há três anos, no aluguel de 183 vagas no Terminal-Garagem Menezes
Côrtes, no Centro. O fluminense é também o mais liberal no envio de
membros para estudo no exterior: 12 cursam mestrado ou doutorado, com
salário integral. Nos demais Estados, há 17 promotores e dez juízes
fazendo o mesmo. Tantos são os benefícios do MP do Rio que até
promotores se constrangem, em conversas privadas. “Em breve, o subsídio
será só para juntar dinheiro, porque as demais despesas já estarão
cobertas pelos auxílios”, diz um deles.
Para Joaquim
Falcão, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diretor
da faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), promotores e
juízes “precisam de prerrogativas – como independência – para exercer
sua função, não de privilégios”. “Pagar auxílio-escola para o filho não é
prerrogativa, é uma apropriação privada e individual da prerrogativa do
cargo. O cargo é público, a prerrogativa é pública e o privilégio é uma
apropriação individual”, diz Falcão.
Ninguém diz que
juízes devem ganhar mal – ou menos que outras carreiras de Estado. Mas a
comparação da renda deles com a dos demais brasileiros mostra que há
algo de excessivamente desigual em vigor. Um levantamento do Conselho da
Europa, de 2012, mostra que os juízes iniciantes de 26 países europeus
recebiam 2,2 vezes a média salarial da população de seus países. Os
salários dos membros da Corte Suprema equivaliam a 4,2 vezes o
vencimento médio nacional, e os da cúpula da Procuradoria-Geral a 3,6
vezes. No Brasil, o inicial de magistrados e membros dos MPs, na maioria
dos Estados, R$ 24.818, corresponde a 14 vezes a média de rendimento de
trabalho do país – R$ 1.817, conforme a Pnad. Comparados os vencimentos
totais dos magistrados levantados por ÉPOCA, a proporção se elevaria
para 23 vezes. Segundo o IBGE, em 2013, 99% dos brasileiros recebiam até
R$ 10.500 mensais, e a média do 1% mais rico do país era R$ 18.899.
Mesmo
com tantas vantagens, 72% dos magistrados não estão felizes com seus
salários, segundo o Censo do Judiciário de 2014. O IBGE aponta a
magistratura como a profissão mais bem paga do país, e os vencimentos de
juízes e promotores os posicionam com larga margem na exclusiva elite
do 1% mais rico do país. O presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, admite que a distorção
preocupa. Mas argumenta que o salário precisa ser competitivo com o de
grandes escritórios de advocacia e que a única outra atividade
remunerada que podem exercer é o ensino. O que torna os vencimentos dos
magistrados “aparentemente acima do teto”, diz, são as indenizações
fruto da “falta de aumento e de valores atrasados”. “São vias legais que
a carreira buscou de complementar os reajustes para recompor o salário,
de acordo com a norma constitucional.” Apesar disso, ele afirma que há
defasagem de 20% a 25%.
A presidente da Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Norma Cavalcanti,
diz que “os penduricalhos são a busca da correção”. “Os vencimentos são
com base em lei estadual. Ninguém recebe mais do que a lei permite”,
afirma. Para Falcão, muitos benefícios foram sendo concedidos no vácuo
da lei e vigoram até ser considerados abusivos. “Decidem pagar e dão a
justificativa de legalidade, enquanto o STF não disser que é ilegal. E a
jurisprudência é não devolver o recebido”, afirma.
(Infográfico: Marco Vergotti e Felipe Yatabe)
Minha casa, minha vida
A mais recente vitória das categorias veio numa noite de setembro do ano passado. O ministro do Supremo
Luiz Fux,
ex-desembargador do Rio, determinou em liminar o pagamento de
auxílio-moradia de R$ 4.377 a juízes federais sem “residência oficial à
disposição”. Por esse princípio, só em São Paulo deveria haver 4.333
moradias oficiais para magistrados e membros do MP. A partir daí, apesar
de o mérito da ação ainda não ter sido julgado, todos os 29.074 juízes e
promotores do país passaram a ter direito ao benefício, uma despesa
extra de R$ 1,53 bilhão ao ano em tempos de ajuste fiscal.
Nem
todos concordam em usufruir esse benefício. O juiz do Trabalho Celso
Fernando Karsburg, do Rio Grande do Sul, abriu mão do auxílio-moradia
por considerá-lo “imoral, indecente e antiético”. Em artigo, escreveu
que o direito existe desde 1979, mas ninguém o usava porque era “visto
como algo indevido, para não dizer absurdo, imoral ou antiético”. Para
ele, isso mudou quando se percebeu que o Executivo não concederia a
reposição do poder aquisitivo perdido com a inflação. “O pagamento do
auxílio-moradia, indistintamente a todos os juízes, ainda que previsto
na Loman, é uma afronta a milhões de brasileiros que não fazem jus a
esse ‘benefício’”, escreveu. No mesmo Rio Grande do Sul, os
desembargadores João Barcelos e Carlos Roberto Caníbal também recusaram o
benefício.
Em Goiás, Alan Conceição foi o único
desembargador a abdicar da benesse. “Se tenho moradia própria, qual a
razão de receber esse auxílio?”, questionou, ao jornal O Popular. Também
recusou o auxílio-livro de R$ 2.600 e o carro oficial, como Geraldo
Prado fizera, no Rio. Alans, Prados, Karsburgs, Barcelos e Caníbals são
exceções. Em Mato Grosso, até os aposentados recebem ajuda para morar – a
maioria em casa própria. O TJ rejeitou recurso do Estado e manteve o
auxílio aos inativos, mesmo contrariando resolução do CNJ.
Na
Europa, as coisas são bem diferentes. Sem direito a carro com
motorista, o juiz da Suprema Corte da Suécia Göran Lambertz pedala sua
bicicleta 15 minutos até a estação de trem de Uppsala e enfrenta 40
minutos no vagão até Estocolmo, onde trabalha. Na última instância
daquele país, Lambertz recebe € 10 mil mensais – R$ 33.700 – sem nenhum
abono, auxílio-moradia ou alimentação. “Não almoço à custa do dinheiro
do contribuinte. Luxo pago com dinheiro do contribuinte é imoral e
antiético”, disse, em entrevista para o livro Um país sem excelências e
mordomias, da jornalista brasileira Claudia Wallin, sobre a Suécia.
Nenhum dos 16 juízes do Supremo do país tem secretário particular, só
assistentes comuns ao colegiado.
T-Q-Q
A
gama de benefícios é resquício de privilégios históricos. Nos primeiros
anos do Brasil Colônia não havia Justiça organizada, e os donatários
das Capitanias Hereditárias tinham jurisdição sobre suas terras. Em
meados do século XVI, o rei de Portugal, Dom João III, estabeleceu um
governo central e passou a nomear magistrados, formando uma classe
fidalga cheia de privilégios, que defendia os interesses da Coroa. No
Império, a Justiça continuaria a ser exercida por escolhidos do
imperador. Com a Constituição Republicana de 1891, foram instituídas a
vitaliciedade para juízes e a irredutibilidade de vencimentos. Era a
tentativa de garantir autonomia e evitar perseguições aos que deveriam
zelar pelo “bem comum”, não por interesses do imperador ou “coronéis”.
Só em 1934 seria criado o concurso de seleção. O historiador do Direito
Cássio Schubsky acreditava que a origem fidalga explica os ganhos e
benefícios especiais. Juízes e promotores se definem como “membros” de
seu órgão; “servidores” são os demais funcionários. As leis mudaram, mas
hábitos e práticas do passado ainda determinam o status social da
classe jurídica.
Esse status permite não apenas a
reprodução de privilégios, mas a manutenção de um ritmo de trabalho
único no Brasil. Juízes e promotores não têm uma rotina de trabalho como
a iniciativa privada. Não há horário fixo ou ponto e se define o
próprio expediente, frequentemente em apenas um turno. No TJ do
Amazonas, é das 8 às 14 horas; no MP do Pará, a carga é de seis horas
diárias; em Goiás, o magistrado opta pelo matutino ou vespertino; em São
Paulo, o mínimo é de 13 às 19 horas; e, no Tocantins, a carga do
promotor é de 35 horas semanais. Alguns atuam no gabinete ou fórum três
ou quatro vezes por semana, no chamado “T-Q-Q” (terça-quarta-quinta),
em especial no interior – e mantêm residência na capital. O
desembargador aposentado Geraldo Prado afirma que o “T-Q-Q era a regra”
nos anos 1980, mas que a prática tem sido combatida.
Outra
vantagem simboliza a diferença entre magistrados e promotores e os
demais brasileiros: as férias. A lei garante um mês de descanso
remunerado a todo trabalhador. Juízes e promotores têm 60 dias, além do
recesso judicial, de 18 dias. Em 2014, essas pausas somaram 81 dias, 22%
do ano, fora feriados. A origem do benefício é a lei da magistratura,
de 1979. O Ministério Público adota o mesmo critério. “Não conheço
nenhuma empresa que dê dois meses de férias. Eu mandaria meu currículo
amanhã!”, afirma Bernardo Cavour, consultor de recursos humanos, sócio
da Flow Executive Finders.
Eles recebem duas vezes no
ano o adicional de férias de um terço. O TJ do Espírito Santo, o TJ e o
MP do Paraná são ainda mais generosos: lá, o bônus é de 50%. Na soma,
resulta em um 14o salário. Muitos TJs e MPs pagam gratificações de até
um terço do salário a quem acumula função do colega de férias ou
licença. De acordo com Costa, da AMB, a profissão tem carga laboral
“insuportável”, de 1.400 processos por ano, e alto índice de doenças
(13% dos magistrados tiveram licença remunerada por doença ou acidente
no último ano). Costa afirma que as férias dobradas são compensação para
fins de semana de sobreaviso. “Fora dos grandes centros não há plantão
nos fóruns, só existe um juiz na maioria das comarcas, disponível dez
meses do ano, inclusive fins de semana”, afirma Costa.
Além
da sobrecarga financeira, o excesso de férias impacta processos. É
comum uma ação ter, em seu curso, diversos juízes e promotores
distintos, o que pode gerar paralisia, insegurança jurídica – diante de
decisões divergentes – e encarregar da sentença alguém pouco
familiarizado com a questão. Matematicamente, a redução das férias
aumentaria a produção da Justiça em 8%, o equivalente a um mês de
trabalho ao ano. A fórmula foi testada com sucesso em Portugal, onde
juízes gozavam 60 dias até 2007. Diante da austeridade imposta pela
crise, extinguiram-se os dois meses de repouso. Não há notícia de
explosão de estresse, porém a produtividade cresceu 9%.
Se
a prestação de serviço da Justiça aos cidadãos fosse rápida e exemplar,
talvez a enorme lista de privilégios revelada por ÉPOCA fosse menos
questionável. Mas a Justiça é lenta para 88% dos cidadãos, mostra a
pesquisa O Judiciário segundo os brasileiros. O CNJ estipulou metas de
produtividade, e os Tribunais reconhecem a necessidade de ser mais
eficientes e expeditos. No ano passado, havia 95 milhões de processos na
Justiça, e o acervo continua a crescer. Em 2014, os Tribunais
estaduais, como um todo, não cumpriram nenhuma das cinco metas
estipuladas, entre elas a de julgar quantidade maior de processos do que
os distribuídos no ano. Com salários acima do teto, juízes e promotores
precisam pôr os pés no chão e olhar ao redor.