Interesses pessoais e corporativos alterando leis, desrespeito ao teto previsto, disparidades entre o maior e o menor salário, discriminação entre cargos assemelhados e discrepâncias no pagamento de salários, subsídios e vantagens discriminam os servidores públicos, afrontam princípios republicanos, estimulam desarmonia, criam divergências, alimentam conflitos e promovem privilégios a uma oligarquia no serviço público.
Ministro Carlos Ayres Britto, presidente do STF ao cassar uma liminar que impedia a publicação de forma individualizada das remunerações.
sexta-feira, 13 de julho de 2012
O SALÁRIO PÚBLICO DOS SERVIDORES
ZERO HORA 13 de julho de 2012 | N° 17129
DAVID COIMBRA
Os servidores públicos, em geral, não são recepcionistas que ganham 24 mil por mês. Em geral, os servidores públicos recebem salários compatíveis com seus cargos ou menos do que isso, como a maioria da população brasileira. E, como a maioria da população brasileira, os servidores públicos levam seus filhos à escola, empurram carrinho no supermercado, compram remédio na farmácia, conversam com o vizinho e se irritam no trânsito. Os servidores públicos são idênticos à maioria da população brasileira, mas, com a lei que pretende divulgar-lhes os nomes e os salários, levarão uma vida diferente de todos, levarão uma vida igual ao seu trabalho: pública. Posso imaginar uma roda de mulheres num bar passando de mão macia para mão macia a lista dos salários de seus amigos, e quiçá pretendentes, que trabalham no serviço público.
– Prefiro sair com este, que ganha R$ 928,52 a mais do que esse outro.
– Olha aqui esse chinelão: me convidou para beber um vinho na casa dele, mas só ganha R$ 950. Vai ver é vinho de garrafão.
Ou quem sabe a faxineira de um servidor, discutindo com ele:
– O senhor pode me dar mais 20 por faxina: o seu salário é R$ 3.269,88.
Ou o vizinho na reunião de condomínio:
– Uma vez que o seu salário é de 10.974, você pode aumentar a contribuição mensal, já que nós ganhamos muito menos.
A relação de nomes e salários também será muito útil para operadoras de telemarketing, vendedores e eventuais golpistas, mas ninguém se beneficiará mais do que os sequestradores que abundam debaixo dos semáforos das cidades. Eles poderão estabelecer com minúcias de centavos quanto pedir de resgate por algum familiar de um servidor público. Muito prático.
Eu aqui, eu já precisei de inúmeros servidores públicos, ao longo da vida: sempre estudei em escola pública, e, como qualquer cidadão, já tive de me socorrer da saúde pública, da Justiça, da polícia, dos bombeiros, de diversos prestadores de serviço. Pois quando esses funcionários estavam me atendendo, se porventura pensasse no salário deles, sabe do que eu gostaria? Que eles fossem muito bem remunerados. Que aquele professor, que aquele médico, que aquele escrevente, que aquele delegado, que aquele juiz, que aquele brigadiano ganhasse muito bem, que estivesse satisfeito com seu trabalho, a fim de me prestar assistência de qualidade, a melhor assistência possível.
A divulgação dos salários vinculados aos nomes dos funcionários talvez diminua distorções como a da recepcionista que ganha R$ 24 mil por mês. Mas talvez também afaste os bons do serviço público. Porque, se é verdade que o que é caro não é necessariamente bom, também é verdade que o bom vale mais. O serviço público, por atender a toda a população, tem de ser composto pelos melhores, e os melhores têm de ser bem remunerados. Com merecimento, sim. Com transparência, claro que sim. Não com constrangimento.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não creio que seja constrangimento a divulgação de salários pagos com dinheiro público. Aliás, a remuneração do agente público é sempre divulgado na mídia porque passa pela Assembleia Legislativa a aprovação, além de ser mencionado nos concursos públicos. O interesse de não divulgar está em esconder as distorções das remunerações, vantagens, gratificações e indenizações extras percebidas por alguns poucos servidores mais privilegiados que são conquistadas e garantidas por apadrinhamento, favores, atos secretos, movimentações atípicas e leis imorais. O grande exemplo pode ser tirado no caso da telefonista servidora da AL-RS que presta serviço num gabinete de deputado.
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